Rua pouco movimentada no Recife, começo da noite. Uma mulher anda apressada, quando surgem dois homens.
— Passa o celular!
Ela, tomada de susto:
— Calma, moço, vou passar.
— Anda, passa logo!
— Vou passar, moço, calma. Mas, antes, o senhor poderia se
afastar um pouco.
— Quê!?
— Se afastar (repete enfatizando a pronúncia das sílabas por
baixo da máscara).
Os homens se olham confusos. Ela continua.
— Um metro e meio, no mínimo. Distância segura.
— A senhora tá doida, é? Distância segura de quê?
— Meu filho, você vive na lua? Distância segura do corona.
O outro dá uma risada nervosa.
— Do quê?!
— Do coronavírus.
— Que corona o quê, minha senhora. Passa logo esse celular!
— Eu já disse que vou passar. Só quero que vocês mantenham
uma distância segura...
— A senhora é doida mesmo, viu! Tá querendo problema, é?
O outro emenda:
— Além do mais, esse negócio de corona é coisa de comunista!
Eu tou ligado na senhora!
— Engano seu, meu amigo. Isso é uma questão mundial de
saúde.
— De saúde o quê, minha senhora. Isso é mentira da mídia, da
Globo. Querem é derrubar o cara...
— Você é que pensa! Tem um monte de gente morrendo... (Ela altera
a voz. O mais alto reage com firmeza:)
— Calminha aí, segura tua onda.
— Eu estou calma. Só quero que as coisas corram em
segurança.
— Ó, seguinte: vamo parar com a brincadeira e resolver isso
logo, com corona ou sem corona: passa o celular! (Enfatiza a pronúncia das
sílabas.)
— Vou passar, mas o senhor pode virar o rosto pra lá quando
falar? Pra não respingar saliva... (Enquanto diz isso, afasta os dois com a mão.)
— Mas a senhora é abusada, né não? Passa logo esse celular.
Ela tira o celular da bolsa e já ia entregando, quando:
— Eita, ia esquecendo.
Tira da bolsa um spray, espraia no celular.
— Que porra é isso? — o mais baixo fala, com cara de
incrédulo.
— Álcool 70%. Me dá a mão.
Os dois estão atônitos.
— Anda, me dá a mão!
Olham-se; sem saber o que fazer, esticam a mão. Ela espraia
o álcool e entrega o celular.
— Agora, sim.
Eles pegam o celular. E, antes de ir:
— Vou lhe dizer uma coisa, minha senhora: minha saúde está
perfeita. Nem uma tossezinha. Nem um espirro.
Ela devolve.
— Mas eu não. Fui diagnosticada com covid-19 hoje. Estou
assintomática.
Desconfiados, os dois dão um passo pra trás.
— Espero que senhora fique bem.
— Eu também — diz ela, olhando-os enquanto correm.
Nenhum comentário:
Postar um comentário