sábado, 27 de novembro de 2010

Comentários Musicais

Acabo de assistir ao documentário Metal – A Headbanger's Journey, um alucinante e informativo mergulho no mundo do heavy metal idealizado e concretizado pelo antropólogo canadense Sam Dunn (baixe aqui), e confesso que me senti compelido a escrever esse comentário musical. O tema? Adivinha!

O heavy metal, concordam vários especialistas no assunto (inclusive Sam), surgiu de uma transformação do rock’n’roll, estilo que envolve rock, punk, hard core e possui raízes blues e soul. Sua paternidade é controversa, visto que não se pode dizer ao certo qual o primeiro heavy metal da história. É no entanto quase consenso que o Black Sabbath, se não foi seu criador, foi quem configurou o estilo – ou seja, sem essa banda, não haveria o gênero.

Do final dos anos 1960, quando surgiu, até os dias de hoje, o barulho se dividiu em inúmeros subestilos, dentre os quais se destacam o glam metal, o thrash metal, o death metal (fodástico!), o doom metal e o black metal. Sua existência sempre foi cercada de lendas e fatos – estes, no mínimo, curiosos: quem nunca ouviu a clássica história da cabeça do morcego arrancada a dentadas pelo Ozzy, em pleno show, ou a entrada do Manowar para o Guiness como a banda mais barulhenta do mundo, ou a missa negra do LP do Venom, quando rodado ao contrário.

Histórias à parte, o fato é que o heavy metal se configura em um estilo musical bastante rentável e muito popular hoje em dia. Bandas como Iron Maiden, Megadeth, Metallica, Sepultura, Motörhead e AC DC, só para citar algumas, possuem um público tão grande quanto algumas bandas pop consagradas.

No mais, deixo-vos, pacientes leitores, com uma das músicas mais emblemáticas e estranhas do heavy metal, considerada por muitos o início de tudo: Black Sabbath, tocada pelo Black Sabbath.


domingo, 14 de novembro de 2010

O amor


* Publicado originalmente no livro Lua de Iêmen, Lua de Bengala

Olhava ainda o corpo desnudo ao meu lado, a pele branca reluzindo a última hora de nossos seres em movimento frenético, e o delírio de amar explodia em jatos de olhares perdidos na penumbra do quarto. Um olhar de amor sempre parece perdido e distante, porque olha antes pra dentro de si, onde existe realmente o mundo, e não para algo exterior; pensei isso ao lembrar de seus olhares dirigidos a mim e imaginei se eu os teria também já lançado a alguém. E não sabia se já havia amado alguém com intensidade, porque não sei até qual intensidade vai o amar alguém. Amei muitas vezes e, talvez por isso mesmo, nenhuma. E olhava ainda o corpo desnudo e imóvel ao meu lado e me perguntei quantos corpos esse corpo já havia amado, e o amargo de seu suor em minha boca tomou proporções imensas e senti ciúmes de saber que possivelmente muitos. E me perguntei se eram melhores e maiores e mais profundos e me senti pequeno porque tinha certeza de que foram mais importantes e minha mão não ousou tocar sua pele.

Mas foi então que percebi, olhando-a detalhadamente, que não havia marcas de outras mãos e também não cheiro de outro que não eu ou ela e no fundo de suas retinas só conseguia enxergar o meu reflexo e por alguns instantes vi o quando fora inútil o divagar sobre o passado de alguém, já que as insígnias de pecados outrora cometidos são rastros indeléveis mas indecifráveis e não são vistos a olho nu, habitando antes a universal vermelhidão do peito interior do que cartazes ou sorrisos.

E me reconfortei no macio de suas carnes por saber que sendo o amor agora eu o seria sempre e único e que a eternidade era feita de noites acopladas uma a uma e cada uma como sendo única, formando um todo inconsútil chamado vida, e quantas noites seriam necessárias para construir um arquétipo de felicidade?, eu não sabia, mas sabia que aprendemos a ser felizes à medida que conhecemos a noite e mesmo estando sós vivemos uma noite interior, uma obscura sensação de vazio em nossas mãos e pensei que talvez por ter havido outras noites e outras palavras sussurradas em meus e seus ouvidos nós havíamos decidido que enquanto fosse possível nós nos congratularíamos nus e felizes, porque eu também havia pensado que o amor é um imenso espelho do ego e, como tal, só poderia preencher os espaços a ele adequados, que só amamos aquilo que nos faz bem e por isso acabamos amando uma extensão do nosso próprio ser, amando nosso próprio ser. E pensei ser esse um mecanismo necessário à felicidade, um mecanismo que subsiste além do que sentimos ou vivemos ou pensamos, uma construção sobre a areia de nossos planos. Porque poderia ser a felicidade um pequeno pedaço de noite que se juntaria a outro depois e no pesar do final imposto caberia à nossa consciência dizer se somos felizes ou se foi tudo ilusão, porque a vida era uma ilusão, não sei a felicidade. Por ser tão sutil a felicidade ligada ao amor, pois quando estamos amando nos sentimos completos mas sempre uma ausência, polícia, erro ou desilusão nos torna incompletos, acabamos temendo o final da noite e com ele o simples levantar e o partir sem um aceno, tornando a vida um caminho entrecruzado de várias direções, um corpo sempre em rota de colisão, até que nos chegue um novo atalho. Esse corpo desnudo ao meu lado era um.

E quando víssemos o andar juntos mas não sós impossível, haveríamos de criar uma outra cicatriz em nossas almas e um novo atalho. Mas me confortei por saber que era o seu eterno e único amor hoje e o amanhã era feito com um pedaço do hoje e o depois com um pedaço do amanhã e assim eu habitaria sua memória até que um gigante de peso e tamanho descomunal nos cruzasse o atalho e esmagasse fores e espinhos e pegadas e tudo o que deixamos cair porque nos abraçávamos e não importava mais nada e então eu me senti gigante, eu que já havia sido para esse corpo, haveria de ser para outros.

E nessa noite, quando ainda olhava esse corpo nu e deleitado, imaginei que havia descoberto algo sobre o amor e a vida, pensando em mim e nela como dois caminhos que se cruzaram, duas estradas que formavam cordilheiras pelos lados, onde os dias se amontoavam como pedras e rolavam no abismo da memória para ser felizes também, esquecidos, de mãos dadas a outros dias pedras.

Quase sem perceber, meus olhos se fecharam numa sequência em que eu lutava para mantê-los abertos e continuar olhando aquele corpo, pois agora eu já não me continha nos meus átomos, eu trespassava a matéria e fingia com muita convicção, atuando antes pode-se dizer, que eu era feliz, considerando a felicidade um estado de espírito e não uma temporalidade infinita. E já estava tão alto nas elipses de meus pensamentos que julguei que não mais a via e percebi que não tinha nada nas mãos nem no corpo, nem roupas, dinheiro e meu rosto era uma profusão de estrelas e luas que existiam sempre sem nunca ofuscarem umas às outras, eu que nada trouxera nas mãos dormia e deixava o corpo exausto e desnudo ao meu lado sem respostas e subia, subia, subia, até onde o tempo, amor ou ilusão são todos fantasmas de um mesmo sentimento: o desejo libertado.