quinta-feira, 24 de março de 2011

10 motivos para odiar o trânsito do Recife

1. Engarrafamento

IMG0119A
Celular, às 7 da manhã
Não importa o dia, a hora, o local: em algum ponto da cidade, você encontrará um engarrafamento. Isso porque o Recife é autossuficiente em engarrafamento: autossupre-se a si mesmo (preste atenção na ênfase, que é a única forma linguística capaz de expressar a situação), não se sabendo de onde raios vêm todos esses carros. Assim, mesmo que você resolva sair de ônibus, deixando o carro em casa, você vai pegar engarrafamento. E o pior: em pé, no sol, rodeado(a) de axilas em ponto de fusão.


2. Barulho

Engarrafamento gera outro fator: barulho. Tudo bem que querer um trânsito silencioso é utopia, mas, se o(a) paciente leitor(a) prestar atenção, grande parte do barulho produzido no trânsito é resultado das buzinas, e 99,99% do barulho produzido por buzinas é resultado de uma improfícua vontade de que os carros da frente voem ou simplesmente desapareçam para que o buzinante passe tranquilamente. Resultado: uma corrente interminável de estresse.

3. Chuva

Numa cidade onde qualquer mijada de bêbo causa alagamento nas zonas norte, oeste, sul, centro-sudoeste, norte-nordeste, ultra-noroeste, extremo-leste e até no espaço aéreo, é de se entender que o motorista fique apreensivo (para não dizer puto da vida) quando chove. Mas odiar a chuva não é o caminho — afinal, ela é uma dádiva confortante em épocas muito quentes. A solução é, em vez de ter dois carros, como muitos, comprar um carro e um barco; assim, você estará tranquilo para os dias de sol e chuva. Só tenha cuidado para não se confundir e levar uma piroga no lugar do barco.

hpim1166
Vikings em rua alagada do Recife
4. Vikings

Eles estão em toda parte: dirigindo seus drácares em velocidade muito superior ao permitido na via, mudando de faixa sem alerta, insistindo em ocupar a faixa para a qual você tenta passar há 10 minutos, buzinando, andando por cima das calçadas, gritando palavrões aos motoristas comuns. E, se você parar para reclamar de alguma asneira feita por esse lendário guerreiro, envolver-se-á numa batalha verbal (a às vezes braçal) épica, que só terminará quando uma das cabeças rolar (a sua, obviamente).

5. Toco

Quando não houver alagamento, engarrafamento, ninguém estiver buzinando no seu ouvido ou nenhum viking gritando palavras de baixo calão à sua respeitosa pessoa, haverá uma blitz. E vai parar você. E vai achar algo que nem a oficina autorizada de onde seu carro saiu semana passada achou. O que isso tem a ver com toco? Você vai descobrir rapidinho quando chegar sua vez.

6. Buracos

A mais intensa das aventuras off-road pode ser vivida em qualquer rua do Recife. Os obstáculos — buracos, lama, desníveis, sinalização só possível por mapa ou GPS — fazem do Rali Dakar um carrossel de parquinho pré-infantil se comparado às ruas da cidade.

IMG0122A
E todo o trânsito parado
7. Consertos

Para resolver os problemas do item 6 (buracos), os administradores conseguem causar um transtorno maior ainda: obras. Operando especialmente na hora do rush, contribuindo para a hiperbolização do item 1, esses consertos impetram a incrível façanha de inverter a relação custo‒benefício: as obras duram 10 anos, e os remendos, 5 meses.

8. Assaltos

Fonte: www.ivancabral.com
Assalto ocorre em todo lugar, mas é especialmente inconveniente quando ocorre no engarrafamento. Você fica nervoso, depois irado, depois perplexo, depois se acalma, e percebe que andou 2 metros em 2 horas. É quando chega outro assaltante.

9. Limpadores de vidro

A profissão que mais cresce no momento. Em todo sinal, alguém empunhando um minirrodo com uma garrafa maltrapilha de água duvidosa insiste em lhe obrigar a receber um serviço pelo qual você não solicitou. A solução: bazuca de carnaval. Cada vez que um deles jogar água no vidro do seu carro, você dá um banho nele. Não limpa o seu carro, mas refrigera a sua alma.

10. Flamengo

flamengo fail“Flamengo!?”, estranha o(a) paciente leitor(a) deste blogue. Respondo: Flamengo. Pelo seguinte: o timeco carioca, que só ganha no tapetão, faz das suas e, numa jogada puramente política, vem com essa de rachar o título do Sport de 1987. Isso irritou profundamente os 42% da população que torcem para o Sport, fazendo com que todos os itens anteriores ficassem ainda mais odiosos.

terça-feira, 15 de março de 2011

Notícias do Centrão

Antes de tudo, deixo aqui registradas minhas condolências ao povo japonês. Acompanho pela internet o martírio que esse povo vem passando, e realmente são eventos que não desejo nem para um inimigo (pelo menos, por agora!).

Também registro aqui meus parabéns ao Recife e a Olinda, essas HPIM3157cidades-irmãs de origem burguesa e aristocrata, respectivamente. Elas merecem, pela sua imponência histórica, mais do que um bolo gigante e um show com artistas nacionais (o velho e eficiente pão e circo).

Pelos lados da Cidade Universitária, informo meu primeiro contato com minha turma de mestrado de Ciência da Informação: muito bom. Os veteranos nos receberam muito bem, com muita atenção da parte de alunos e professores. A dúvida ficou por conta do convite: era para um café filosófico, mas serviram refri, suco e docinhos ‒ o que, obviamente, não gerou reclamações.

Já me incorporando à área, apresento estudo de caso aplicando Snapshot_20110315conceitos de bibliometria, análise semântico-sintática e concepções residuais de análise de discurso nas ideias proferidas. Os resultados apontam para uma mudança significativa nos processos de comunicação acadêmica: ninguém fala mais nada. Todos “colocam”: “Eu gostaria de colocar que…”; “Apenas fazendo uma colocação…”; e por aí adiante. Veio a epifania: será que é por isso que o nome do encontro é “colóquio”?


Bravura indômita
Bravura indômita.
Fonte: Internet
Não pude deixar de reparar: na sala, há uma bandeira de um leão vermelho (muito mal desenhado, vão perdoando a sinceridade) segurando uma tocha sobre fundo branco, ao estilo bandeira de Pernambuco. Percebo uma presença insistente dessa imagem na heráldica das instituições pernambucanas. Será esse o Leão do Norte, bravo símbolo da indômita força nordestina? Pois esse aqui da parede do PPGCI tá mais pra “força severina”.

Pra finalizar, uma nota en passant: entre tantos novos contratos sociais se firmando nesta nova turma, tive o prazer o reencontrar o sempre mestre Lourival Holanda. A despeito do cara ter arrebentado na palestra, é sempre um prazer encontrá-lo: cara agradável, distinto, voz suave, atencioso… Mudando minha opção sexual? Claro que não. É que inteligência e elegância não têm sexo.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Formas e informes

Exibir forma: esse é o privilégio de todo conteúdo. E quem tiver olhos para enxergar o conteúdo por trás da forma considere-se iluminado, potencialmente livre de preconcepções errôneas e juízos de valor equivocados.

Começo a crônica com essa conclusão. Sempre me achei um cara descolado, capaz de enxergar pontos de vista -- o que habitualmente me rende bons frutos: amigos estão aí para comprovar. Mas desta vez foi armadilha: uma fila imensa, trinta minutos sentado num banco razoavelmente confortável, o som monótono do dispositivo eletrônico indicando a próxima ficha a se dirigir para o caixa e o inevitável sono contagioso das salas de espera. Pouco para quem deseja emoções. Estas só vieram com a chegada dele.

Entra o cara: boné com nome de grupo de funk (não cito nomes Se encontrar essa sombra, fuja!para evitar processos), camisa da inferno coral (nada contra a torcida, ela na dela e eu na minha), bermudão surfista de subúrbio (tenho vários desse), bigodinho à Latino. Perdoem-me o ranço classicista pequeno-burguês, mas dentro de um banco, em pleno século XXI, às vésperas do Carnaval e de você sacar dinheiro na boca do caixa, toda alma é cinza (para não dizer sebosa).

E lá vai ele posicionar-se perto dos caixas, local privilegiado para levantamento de quantias alheias. Desconforto geral, só aliviado pela surpresa: apesar de chegar depois de quase todos ali, foi atendido rapidamente. Sacou seu dinheiro, guardou-o no bolso e -- oh!, como é isso?! -- pediu licença educadamente a uma senhora parada bem na porta giratória.

A pancada final veio em seguida: ofereceu sua vez na porta giratória a uma mulher que entrava. E aí veio a iluminação repentina, que me ensinou algo a mais sobre as formas: a dele era apenas uma defesa.