quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Declaração de amor

Amor, perdoa o que eu te digo agora
Mas digo-o de peito aberto:
Não quero, hoje, a pureza dos teus olhos devotados
Ou o abraço companheiro de quem viu mais um dia se acabar.

Quero um pouco do delírio e do desejo
Escondidos nos teus beijos mais secretos
Me perder pelos teus seios sinuosos
Louvar o páramo delicado de tuas pernas abertas.

E prometo não te amar menos
— Nós, caminhos de verão e cogumelos.
Prometo abraçar teu corpo carinhosamente
E opinar sobre os teus sapatos mais belos.


Sem título. Autor: Théo Costa.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Tradução

Bluebird*
(Charles Bukowski)

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pour whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?

Pássaro azul
(Charles Bucowski)
Tradução livre: Malthus de Queiroz

Há um pássaro azul no meu peito
Que quer libertar-se.
Porém, mais do que ele, sou valente.
Eu digo: fique aí, que não vou
Deixá-lo à vista de qualquer um.

Há um pássaro azul no meu peito
Que quer libertar-se.
Mas eu o afogo em uísque e inalo fumaça de cigarro
E as putas e os barmen
E os funcionários de supermercado
Nunca o sabem lá.

Há um pássaro azul no meu peito
Que quer libertar-se.
Porém, mais do que ele, sou valente.
Eu digo: Esconda-se, você quer me queimar?
Você quer estragar tudo?
Você quer arruinar as vendas de meu livro na Europa?

Há um pássaro azul no meu peito
Que quer libertar-se.
Mas eu sou esperto: só o deixo sair à noite, às vezes,
Quando todos estão dormindo.
Eu digo: Sei que você está aí.
Por isso, não fique triste.

Então, coloco-o de volta,
Mas ele canta um pouco,
E eu não consegui deixá-lo morrer ainda,
E assim dormimos juntos,
Com nosso pacto secreto,
E isso é belo o suficiente para
Fazer um homem chorar.
Mas eu não choro.
Você chora? 

O original em inglês foi extraído do site http://allpoetry.com, em 30 de novembro de 2011.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

sábado, 12 de novembro de 2011

Terça-feira Ingrata

Adalberto sempre amou o Carnaval. Desde o dia em que, criança pequena pendurada nos ombros do pai, debruçou seus olhos numa colombina colorida, que dançava alegremente uma marchinha há muito esquecida. O fulgor das cores, o ritmo efusivo das danças, as máscaras: tudo se espalhava pelo tempo, como um sorriso plantado na eternidade.

E eram tão profundas as marcas que essas pequenas felicidades tinham-lhe causado que, mais tarde, já homem feito, não podia evitar esses assomos da infância: dizia à esposa que só brincaria na sexta, os amigos do trabalho estariam todos lá, pegava até mal ele não ir logo na abertura oficial. Ela, de veneta, esbravejava, louca de ciúmes:

— Dia desses, tu não vai me encontrar mais aqui quando voltar.

A sexta estendia-se, e ele, invariavelmente, voltava no domingo, com um presente barato, reclamando de um mal-estar que iniciara na sexta mesmo, não tinha podido nem aproveitar bem esses dias. Entrava em casa falando sem parar, olhando os detalhes da estante, a foto dos filhos parecia estar mais amarela, se aquela almofada era nova, nunca a tinha visto antes. A esposa, tomada de orgulho ferido e orgulhosa pelo seu retorno, não respondia de imediato. Primeiro, ignorava-o, até que ele, conhecendo bem os trilhos do reatamento conjugal, parava de falar. Depois, tomado o banho e feitas as devidas reparações no corpo, que eliminam o fedor de bebedeira, a barba e outros traços do desbunde, punham-se na sala a ver TV, onde, também seguindo um espécie de roteiro obrigatório, iniciava a discussão. E, apesar de insistir que dormira na casa do Alfonsinho e que só não tinha voltado pra casa porque acordou muito mal e só se recuperou na madrugada de hoje, Adalberto sempre passava a primeira noite de seu retorno no sofá, o que considerava já uma aceitação da parte dela, premissa de que as coisas logo voltariam ao normal.

Um ano desses, Adalberto exagerou. Saíra para a sua tradicional sexta de abertura carnavalesca e só voltou na terça. Vinte e nove chamadas não atendidas no seu celular. Primeiro, estranhou o portão trancado; depois, o silêncio na casa. As panelas na pia, pratos sujos de comida, a cama desfeita. Na esquina, o vendedor ambulante de CDs tocava uma música triste do Michael Jackson, da época dos Jackson Five. Sentou-se no sofá, com a roupa que chegara da rua. Por instantes, não soube o que fazer, até que lembrou de D. Lurdinha.

— D. Lurdinha, Linda tá aí?

— Tá não, meu filho. Ela não está em casa, não?

Não estava na casa da mãe dela, nem da mãe dele. Nem na casa dos amigos mais próximos. Ninguém a vira nem soubera notícias. Adalberto andou de um lado para o outro na casa, sem saber direito o que pensar. De repente, num arroubo de desdém, tomou o caminho do bar do Pedro, na esquina de sua casa. Pediu uma cerveja e tomou-a em pé, no balcão mesmo. Pediu outra. Perguntou se o último bloco já tinha passado. O homem do outro lado do balcão, filho de seu Pedro, respondeu que passava em instantes. Adalberto esperou. E, quando o bloco passou, pôs-se a dançar, com a euforia de todos os carnavais juntos.

Foi quando reconheceu a colombina do outro lado da rua. Colorida, jogada nos braços da felicidade. Aproximou-se. Ela, vendo que ele chegava perto, encarou-o firmemente. Ele tomou-a nos braços, beijando-lhe a boca sofregamente.

— Linda, vamos voltar para casa. O Carnaval é uma alegria passageira, ilusória.

Mas ela, fervorosa na medida da música, preferiu seguir o bloco, em meio às máscaras e às cores que tudo consomem. 

domingo, 30 de outubro de 2011

À morte de um amigo

Chegaste calada,
       Senhora de tudo não viste
As faces molhadas.

Na madrugada, partiste
       E levaste
O que, estranhamente, inda existe.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A casa de subúrbio

Meu amanhecer, eu achava

Que o sol se escondia atrás do muro

Do muro lá de casa.

Uma casa de subúrbio, afastada,

Que não tinha nada

E era um mundo.

 

Ao crescer alguns segundos,

Percebi que o sol era mais longe

Mais longe do que tudo.

E a casa de subúrbio, afastada,

E que era um mundo,

Converteu-se em nada.

 

Pulei o muro, corri estradas

Atrás do entardecer desses subúrbios,

Entardecer que me encantava.

Encontrei mundos, uns muito

Outros nada,

Todos cercados por seus muros.

 

Hoje, ao passar por essa casa,

Como encontrasse um brinquedo esquecido

Esquecido na calçada,

Reencontro um sorriso indefinido

Do futuro que virou passado

Nesta casa de subúrbio.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Isabella entre as flores do jardim


Pela janela
Vejo Isabella
Entre as flores
E as cores
Tão singelas
Do jardim.



Entre ela e elas,
Pétalas amarelas
E carmim.



Pela janela
Do jardim
Meu amor por ela
É assim:
Aquarela
De todos os amores
Que nunca saberei dar cores.  

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A solidão ao ler Pessoa


Agora estou pequeno
Como grão no pó
A sós comigo
Nau desenganada
Em atracadouro antigo.

O mar amigo
Tornou-se nunca navegado
Um verso de Pessoa me peleja
E abre em mim uma brecha.

Agora estou à toa e triste
Como ave que revoa
E ninguém assiste.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Mundo Contemporâneo

 Amor, tira a roupa e deita aqui juntinho.

 Como?

— Tira a roupa e deita aqui, que eu estou pegando fooogo...

— Mas, assim, do nada...?

— É. Só tira a roupa e deita aqui. Mas não apaga a luz, tá?

— Com a luz acesa?

— É, pra eu poder ver...

— Pra você poder ver...?!

— É. Vai, tira a roupa e deita...

— Hã... é... Sabe... É que eu tenho... hã... vergonha.

— Vergonha!?

— É. Vergonha... Vergonha!

— Ah, deixa disso, amor. Vamo fazer gostosinho no claro.

— Mas por que no claro?

— Pra gente dar uma variada.

— Quer dizer que tá ruim?

— Não, amor, tá ótimo... É que... sabe? Uma coisinha diferente...

— Amor, cê quer dizer alguma coisa?

— Não. Eu só queria... Olha, esquece isso de luz acesa. Tira a roupa, apaga a luz e deita aqui juntinho, bombonzinho...

— Tá bom, mas eu vou apagar a luz, tá?

— Tá bom. Mas vem logo, vem...!

34 segundos depois:

— Calma, amor. Você está pegando fogo mesmo, hein?

— Derretendo! Vai, encosta aqui...

— Devagar... Olha, cê sabe que eu não gosto assim. Tem que ter um clima. Carinho, beijo... Uma conversinha de pé de ouvido...

— Tá bom. Vamo falar sacanagenzinha no ouvido?

— Sacanagem? Pô, amor. Eu pensei em algo mais romântico.

— Romântico como? Do tipo “eu te amo”?

— Não, amor. Isso é muito batido.  Eu queria uma conversa assim, sei lá... Mais... Romântica.

— Tá bom. Então me diz como foi teu dia hoje.

— Isso não é muito romântico.

— Eu só queria criar um clima de intimidade.

— Tá bom, vai, sem romantismo.

— Oba! Então coloca tua mão aqui, devagarzinho... Hum, tá vendo, que gostoso?

— Delícia.

— Agora, passa a tua mão por aqui...

— O que é isso?

— Comprei na sex shop.

— Você foi na sex shop? Sozinha?

— Fui. Por quê? Uma mulher não pode ir a uma sex shop sozinha?

— Pode. Quer dizer, pode?

— Claro que sim, amor. Vai, a gente discute isso depois... Pega aqui, vai... Isso, devagarzinho, que sua esposinha é muito delicada...

— Hã, hã. Tou vendo.

— Tá gostoso?

— Tá.

11 minutos depois.

— Nossa, amor, você estava uma fogueira, hein? Amor...? Amo-or...? Dormiu. Putz, como essa mulher dorme rápido depois que... Bom, o jeito é tomar cerveja e ver o futebol sozinho mesmo! 

Sem título. Theo Costa.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A velha no portão

Te encontrei, Ana,
Na esquina distraída dos acasos.
Compravas teu cigarro desinteressadamente,
Como se cumprisse a liturgia dos atos pequenos.
Falaste de Londres, da mudança de trabalho,
E o teu pai adoecera no último mês
— nem parece, um dia, repartimos sonhos.

A despedida foi igualmente banal:
Com o desespero estrangeiro das palavras
Trilhamos acenos de caminhos contrários 
— folhas caídas que a velha absorta no portão se encarregará de varrer.


sábado, 21 de maio de 2011

A peleja do Leão da Ilha contra a Cobra Coral – Canto II

A contação é uma lembrança,
E o que conta, um lembrador
Que se lembra e não se cansa
De contar com ardor.
Com a fé e a esperança
A verdade ele alcança
Esteja ela onde for.


Cante o causo o contador.


O causo é o Santa Cruz
Tornado o campeão
Num domingo cheio de luz
Pra quem é da “multidão”
A torcida faz jus
O time todo reluz
E ofusca o Leão.


O causo cante o cantador, então.


A tranquila cobra coral
Entrou em campo na vantagem
Podia jogar mal
E perder de 1 na contagem
Que chegaria ao final
Campeão estadual
Sem maior atropelagem.


Cante o causo o contador, sem fuleiragem.


O Leão até tentou
Chegou avante alguns momentos
Mas o gol não logrou
E a luta virou tormento.
Quando o jogo se acabou
O tempo se fechou
E o campeonato teve encerramento.


Cante o causo o cantador atento.


Futebol é uma paixão
Que provoca debate
Discute-se com a razão
E não se faz alarde
Santa Cruz é campeão
Mas da torcida do Leão
Eu ainda faço parte.


O cantador que cante sua arte.


Porque triste é a torcida
Que não tem pra quem torcer
Aí fica na peitica
Só dizendo por dizer
O Leão merece a zica
Porque hexa ele não fica
Disso não quero saber!


O cantador que cante causa rica.


Mas a verdade também existe
Na opinião de cada qual
Assim sendo, triste
É o fim de qualquer final.
Pra uns, é fazer chiste
Pra outros, comer alpiste
E levantar sua moral.


O cantador que cante o que assiste.


Termino essas sextilhas
De maneira seminal
A Série B já se engatilha
É preciso não acabar mal
(futebol é armadilha).
Assim foi a peleja do Leão da Ilha
Contra a Cobra Coral.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A peleja do Leão da Ilha contra a Cobra Coral

Canto I

Cante o causo o cantador
Pru mode rico ficar o canto
E quem quiser dar seu louvor
Ou dizer seu desencanto
De barro é o santo,
Devagar com o andor.

Cante o causo o cantador.

Era um domingo feio de lascar
Mas o jogo tinha que ocorrer.
Os dois times pra lutar
A decisão era pra valer.
Certo era um perder,
Como certo era um ganhar.

Deixe o causo o cantador cantar.

O torcedor do leão perseverante,
E o do coral também a torcer,
Porém os dois vinham pensante:
O do leão: “Um dia a gente há de perder”;
“Um dia, ganhar há de acontecer”,
Dizia o do coral, todo vibrante.

O causo, o cantador que cante.

O jogo começa enervado
Quem tem ânimo aposta
Mas logo no apito começado
Thiago Matias se enrosca
Tudo indica que pisou em bosta
Mas cartão vermelho é o fato.

O cantador que cante o causo.

Seu juiz, com toda autoridade,
Amarelou no desempenho da função.
E em vez de valer a legalidade
Tirou o seu da direção
Assim foi prejudicado o leão,
E começara a fatalidade.

Cante o causo o cantador, que sabe.

O jogo tava para o Sport
Que já dominava a pelada
Mas Gilberto, atacante de sorte,
Acertou uma pedrada
Uns dizem foi cagada
Outros dizem é do esporte.

O causo cante o cantador e prove!

A partir desse momento
O leão foi pro beleléu
E no segundo tempo
Fechou-se o mausoléu
O segundo gol caiu do céu
A torcida ficou sem argumento.

Cante o causo o cantador atento.

Mas advirta o cantador:
Futebol se discute com a razão
O Santa Cruz jogou melhor
Mas ainda não é campeão.
Tome cuidado com o leão
Que é um time brigador.

Cante o causo o cantador.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

10 dicas quentes para você mandar bem no mundo contemporâneo

1. Tenha um emprego cool. Designer, membro de banda de rock, blogueiro de sites de turismo, cineasta, artista plástico e coisas do gênero são empregos cool. Mas atenção: revisor técnico do trabalho do designer, roadie de banda de pagode, técnico em turismo (leia-se vendedor de passagem aérea), pintor de parede e ghost-writer de biografias de famosos desconhecidos não são empregos cool, são empregos cu mesmo!

2. Mantenha seu visual atualizado, assim você será cool e in. Lembre-se que qualquer combinação é válida, desde que você consiga explicar paras as pessoas que estão morrendo de rir o porquê de você estar usando tal roupa.

3. Reserve sempre um tempo para a diversão. Tomar cerveja com amigos, faltar o trabalho um dia para ir ao cinema, caminhar no calçadão ou mesmo aqueles 10 minutinhos lendo no banheiro são atitudes saudáveis que podem ajudá-lo a suportar o estresse. Só tenha cuidado com algumas atividades: contemplar o pôr do sol emocionado, fazer um pedido ao ver uma estrela cadente ou assistir a programas de auditório de pijama e pantufa são tanto quanto demodê.

4. Tenha sempre pizza e cerveja na sua geladeira, para quando os amigos chegarem, ou um vinho no mínimo mediano com alguns queijos, para quando aquela pessoa aparecer.

5. Mantenha-se bem informado. Isso pode significar “desconfie sempre”. Tipo: 10 anos perseguindo o cara; bilhões de dólares investidos; homens, mulheres, híbridos e crianças de todas as religiões mortas por bombardeios, e o cara vem com umas de “jogamos o corpo no mar em respeito às tradições islâmicas”!? Era melhor ter contado aquela outra, em que não só o Bin Landen, mas também o Seu Rabim se foderam no ataque.

6. Pratique a paciência e a tolerância. Há várias maneiras para fazer isso: dirigir no trânsito do Recife, ir ao banco, ligar para a operadora para cancelar um serviço, acompanhar o cenário político, etc.

7. Mesmo que você seja totalmente uncool e não faça parte de uma banda de rock, tenha uma guitarra ou uma bateria em casa. Nada é tão gostoso quanto praticar a paciência e a tolerância se vingando de seu vizinho barulhento, que fez festa (guerra?!) o domingo inteiro, com o som nas alturas tocando o hino do clube arqui-inimigo do seu.

8. Pratique esportes. Aconselho natação. Aumenta a resistência física, previne doenças respiratórias e ainda melhora sua mobilidade no Recife.

9. More bem, o que não significa more em um lugar caro. Observe que, com a lei seca, o aumento de violência, o aumento de notícias sobre violência e a internet, dentre outros fatores, cada vez mais fica-se em casa. Assim, coisas aparentemente sem importância, como tapetinho e almofadas de frente para a TV, terracinho da conversa, sala de leitura, espaço para criatividade e um quarto escurinho são imprescindíveis para uma boa morada.

10. E, finalmente, o mais importante: visite sempre o Diário das Marés. Mesmo que você não siga nenhuma das outras dicas, o simples fato de você citar o blogue em alguma conversa, seja ela no bar, num evento científico, num encontro romântico ou mesmo num entrevista de trabalho, vai fazer você mandar bem demais nesse mundo contemporâneo.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Fim de Sábado

A tarde já caía mansa pelos lados do Amparo quando o bloco da Rua Nove descia pela ladeira da Prefeitura, levando consigo uma pequena multidão de foliões que preferiram o sábado de Zé Pereira para pular o Carnaval. Entre os mais animados, estavam o Juarez, um jovem recém-saído da faculdade, que cantava com fervor as músicas tocadas pela bandinha que seguia o bloco, e sua namorada, Maria.

Sua tamanha disposição para a folia tinha um motivo: Juarez, a custo de seis horas por dia de estudos durante dois anos, havia passado recentemente no concurso para auditor fiscal da Fazenda. E Maria, sua vizinha de andar — que, antes da notícia da aprovação de Juarez se espalhar, havia ignorado solenemente sua existência —, não desgrudava os olhos dele, seduzida que estava pela conquista de um homem que, no pequeno espaço de tempo de uma prova, deixara de ser um indivíduo comum para se tornar um servidor público de algum escalão.

A proximidade repentina da moça deixava a mãe de Juarez endiabrada:

— Menino, toma vergonha. Tu correu atrás dessa mulher a vida toda, e ela sempre te deu as costas. Deixa de ser burro.

Juarez não se contaminava com os comentários maldosos.

— Agora é diferente, mãe. Agora eu tenho um futuro para oferecer a ela.

E não tinha jeito mesmo. Andavam de namorico, jantar num dia, praia no outro, cinema, boate, cervejinha com os amigos, Carnaval. Pulavam freneticamente, ora executando de forma amadora passos de frevo, ora repetindo os dois passos de maracatu que sabiam. Nada importava; estavam felizes ali, se abraçavam e continuavam sua dança desritmada rumo ao Mercado do Varadouro, ponto final do desfile do bloco.

Num desses passos de frevo mal executados, Juarez esbarrou sem querer em um homem que estava parado na rua, derrubando sua cerveja. Desculpou-se, mas o homem fitou-o de maneira decisiva. Juarez parou, desculpou-se novamente, e o homem nada, não se mexia. Apenas olhava-o sério, vidrado, sem dizer palavra. Juarez se ofereceu a pagar outra cerveja, mas antes de terminar a frase, o homem desferiu-lhe um murro no nariz, fazendo o sangue jorrar inutilmente pela roupa de Juarez. O caso foi suficiente para criar um pequeno tumulto.

Tencionando levantar-se do chão, Juarez avaliava revidar — não se batia em um auditor da Receita sem ter o troco à altura. No entanto, o que se viu foi pessoas correndo para todos os lados. Alguém gritou: “Ele está armado”. 

O homem desferiu três tiros contra Juarez, quando ainda se levantava. Em meio à confusão, ninguém viu o agressor fugindo por um beco estreito, que dava para a rua da Bica e se ligava com a avenida principal.

O corpo foi removido às dez e trinta da noite, justamente na hora em que começavam os shows no palco principal da Praça do Carmo.












quinta-feira, 24 de março de 2011

10 motivos para odiar o trânsito do Recife

1. Engarrafamento

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Celular, às 7 da manhã
Não importa o dia, a hora, o local: em algum ponto da cidade, você encontrará um engarrafamento. Isso porque o Recife é autossuficiente em engarrafamento: autossupre-se a si mesmo (preste atenção na ênfase, que é a única forma linguística capaz de expressar a situação), não se sabendo de onde raios vêm todos esses carros. Assim, mesmo que você resolva sair de ônibus, deixando o carro em casa, você vai pegar engarrafamento. E o pior: em pé, no sol, rodeado(a) de axilas em ponto de fusão.


2. Barulho

Engarrafamento gera outro fator: barulho. Tudo bem que querer um trânsito silencioso é utopia, mas, se o(a) paciente leitor(a) prestar atenção, grande parte do barulho produzido no trânsito é resultado das buzinas, e 99,99% do barulho produzido por buzinas é resultado de uma improfícua vontade de que os carros da frente voem ou simplesmente desapareçam para que o buzinante passe tranquilamente. Resultado: uma corrente interminável de estresse.

3. Chuva

Numa cidade onde qualquer mijada de bêbo causa alagamento nas zonas norte, oeste, sul, centro-sudoeste, norte-nordeste, ultra-noroeste, extremo-leste e até no espaço aéreo, é de se entender que o motorista fique apreensivo (para não dizer puto da vida) quando chove. Mas odiar a chuva não é o caminho — afinal, ela é uma dádiva confortante em épocas muito quentes. A solução é, em vez de ter dois carros, como muitos, comprar um carro e um barco; assim, você estará tranquilo para os dias de sol e chuva. Só tenha cuidado para não se confundir e levar uma piroga no lugar do barco.

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Vikings em rua alagada do Recife
4. Vikings

Eles estão em toda parte: dirigindo seus drácares em velocidade muito superior ao permitido na via, mudando de faixa sem alerta, insistindo em ocupar a faixa para a qual você tenta passar há 10 minutos, buzinando, andando por cima das calçadas, gritando palavrões aos motoristas comuns. E, se você parar para reclamar de alguma asneira feita por esse lendário guerreiro, envolver-se-á numa batalha verbal (a às vezes braçal) épica, que só terminará quando uma das cabeças rolar (a sua, obviamente).

5. Toco

Quando não houver alagamento, engarrafamento, ninguém estiver buzinando no seu ouvido ou nenhum viking gritando palavras de baixo calão à sua respeitosa pessoa, haverá uma blitz. E vai parar você. E vai achar algo que nem a oficina autorizada de onde seu carro saiu semana passada achou. O que isso tem a ver com toco? Você vai descobrir rapidinho quando chegar sua vez.

6. Buracos

A mais intensa das aventuras off-road pode ser vivida em qualquer rua do Recife. Os obstáculos — buracos, lama, desníveis, sinalização só possível por mapa ou GPS — fazem do Rali Dakar um carrossel de parquinho pré-infantil se comparado às ruas da cidade.

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E todo o trânsito parado
7. Consertos

Para resolver os problemas do item 6 (buracos), os administradores conseguem causar um transtorno maior ainda: obras. Operando especialmente na hora do rush, contribuindo para a hiperbolização do item 1, esses consertos impetram a incrível façanha de inverter a relação custo‒benefício: as obras duram 10 anos, e os remendos, 5 meses.

8. Assaltos

Fonte: www.ivancabral.com
Assalto ocorre em todo lugar, mas é especialmente inconveniente quando ocorre no engarrafamento. Você fica nervoso, depois irado, depois perplexo, depois se acalma, e percebe que andou 2 metros em 2 horas. É quando chega outro assaltante.

9. Limpadores de vidro

A profissão que mais cresce no momento. Em todo sinal, alguém empunhando um minirrodo com uma garrafa maltrapilha de água duvidosa insiste em lhe obrigar a receber um serviço pelo qual você não solicitou. A solução: bazuca de carnaval. Cada vez que um deles jogar água no vidro do seu carro, você dá um banho nele. Não limpa o seu carro, mas refrigera a sua alma.

10. Flamengo

flamengo fail“Flamengo!?”, estranha o(a) paciente leitor(a) deste blogue. Respondo: Flamengo. Pelo seguinte: o timeco carioca, que só ganha no tapetão, faz das suas e, numa jogada puramente política, vem com essa de rachar o título do Sport de 1987. Isso irritou profundamente os 42% da população que torcem para o Sport, fazendo com que todos os itens anteriores ficassem ainda mais odiosos.

terça-feira, 15 de março de 2011

Notícias do Centrão

Antes de tudo, deixo aqui registradas minhas condolências ao povo japonês. Acompanho pela internet o martírio que esse povo vem passando, e realmente são eventos que não desejo nem para um inimigo (pelo menos, por agora!).

Também registro aqui meus parabéns ao Recife e a Olinda, essas HPIM3157cidades-irmãs de origem burguesa e aristocrata, respectivamente. Elas merecem, pela sua imponência histórica, mais do que um bolo gigante e um show com artistas nacionais (o velho e eficiente pão e circo).

Pelos lados da Cidade Universitária, informo meu primeiro contato com minha turma de mestrado de Ciência da Informação: muito bom. Os veteranos nos receberam muito bem, com muita atenção da parte de alunos e professores. A dúvida ficou por conta do convite: era para um café filosófico, mas serviram refri, suco e docinhos ‒ o que, obviamente, não gerou reclamações.

Já me incorporando à área, apresento estudo de caso aplicando Snapshot_20110315conceitos de bibliometria, análise semântico-sintática e concepções residuais de análise de discurso nas ideias proferidas. Os resultados apontam para uma mudança significativa nos processos de comunicação acadêmica: ninguém fala mais nada. Todos “colocam”: “Eu gostaria de colocar que…”; “Apenas fazendo uma colocação…”; e por aí adiante. Veio a epifania: será que é por isso que o nome do encontro é “colóquio”?


Bravura indômita
Bravura indômita.
Fonte: Internet
Não pude deixar de reparar: na sala, há uma bandeira de um leão vermelho (muito mal desenhado, vão perdoando a sinceridade) segurando uma tocha sobre fundo branco, ao estilo bandeira de Pernambuco. Percebo uma presença insistente dessa imagem na heráldica das instituições pernambucanas. Será esse o Leão do Norte, bravo símbolo da indômita força nordestina? Pois esse aqui da parede do PPGCI tá mais pra “força severina”.

Pra finalizar, uma nota en passant: entre tantos novos contratos sociais se firmando nesta nova turma, tive o prazer o reencontrar o sempre mestre Lourival Holanda. A despeito do cara ter arrebentado na palestra, é sempre um prazer encontrá-lo: cara agradável, distinto, voz suave, atencioso… Mudando minha opção sexual? Claro que não. É que inteligência e elegância não têm sexo.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Formas e informes

Exibir forma: esse é o privilégio de todo conteúdo. E quem tiver olhos para enxergar o conteúdo por trás da forma considere-se iluminado, potencialmente livre de preconcepções errôneas e juízos de valor equivocados.

Começo a crônica com essa conclusão. Sempre me achei um cara descolado, capaz de enxergar pontos de vista -- o que habitualmente me rende bons frutos: amigos estão aí para comprovar. Mas desta vez foi armadilha: uma fila imensa, trinta minutos sentado num banco razoavelmente confortável, o som monótono do dispositivo eletrônico indicando a próxima ficha a se dirigir para o caixa e o inevitável sono contagioso das salas de espera. Pouco para quem deseja emoções. Estas só vieram com a chegada dele.

Entra o cara: boné com nome de grupo de funk (não cito nomes Se encontrar essa sombra, fuja!para evitar processos), camisa da inferno coral (nada contra a torcida, ela na dela e eu na minha), bermudão surfista de subúrbio (tenho vários desse), bigodinho à Latino. Perdoem-me o ranço classicista pequeno-burguês, mas dentro de um banco, em pleno século XXI, às vésperas do Carnaval e de você sacar dinheiro na boca do caixa, toda alma é cinza (para não dizer sebosa).

E lá vai ele posicionar-se perto dos caixas, local privilegiado para levantamento de quantias alheias. Desconforto geral, só aliviado pela surpresa: apesar de chegar depois de quase todos ali, foi atendido rapidamente. Sacou seu dinheiro, guardou-o no bolso e -- oh!, como é isso?! -- pediu licença educadamente a uma senhora parada bem na porta giratória.

A pancada final veio em seguida: ofereceu sua vez na porta giratória a uma mulher que entrava. E aí veio a iluminação repentina, que me ensinou algo a mais sobre as formas: a dele era apenas uma defesa.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O casamento de Rosana Meira e Antonio Aureliano

(Baixe aqui a versão em .pdf)


Peço licença a vossas magnâncias
Para contar do amor grandioso
Que surgiu por essas estâncias
De nosso senhor glorioso
Um amor que nem a distância
De um oceano de pujança
Tornou menos vigoroso.

É um amor de cabra moderno
Por uma rosa delicada
Que vai acabar de terno
Sapato fino e gravata
De frente pro padre eterno
Jurando amor sempiterno
Com a igreja toda lotada.

Mas pra contar desse amor
Tem que ser lá do começo
Quando ele se encantou
Pela rosa que descrevo
Foi tanto que olhou
Que do caminho descuidou
E numa pedra deu tropeço.

Era tanto alumbramento
Que ele se arrupiou
Pensou nesse momento
“Agora lá eu vou
Me apresentar pra esse encanto
Falando inglês e esperanto
Pra exprimir o meu amor”.

¾ Antonio é meu batismo
¾ Rosana é minha graça
¾ Mais graça é seu sorriso
¾ Vou ficar desconcertada
¾ Falei pru mode disso
¾ Tu é mesmo cabra arisco!
¾ Mas só pra tu, minha flor amada.

Nesse dia do conhecimento
Um sol novo apareceu
Firmaram agendamento
E à noite sucedeu
De se encontrarem num evento
E sob a luz do firmamento
O fogo se acendeu.

A conversa se seguiu
Pelo resto da noitada
Antonio bem gentil
Rosana encantada
Até um vinho repartiu
E de tão bom nem sentiu
Que já era madrugada.

Antonio, homem de palavra
Logo se prontificou
Para levá-la para casa.
E quando lá chegou
Já não aguentava
Ou um beijo ela lhe dava
Ou ele ficava de rancor.

Rosana, meio sem jeito
Ficou logo aperreada
Também tinha ensejo
De tascar-lhe uma beiçada
Mas quando esticou o beiço
Viu no parapeito
Seu Cristóvão, que olhava.

Seu Cristóvão, pessoa rara
Da mais alta airosidade
Falou: ¾ Cabra,
Digo-lhe em verdade
Que minha filha é joia cara
Se beijar, o padre encara
Perante o Deus da cristandade.

Antonio, homem de muito provimento
Falou, no calor da emoção:
¾ Eu quero o casamento
Num precisa o rifle, não.
Pois é do meu contento
Fazer o juramento
Em prol dessa união.

Rosana muito se agradou
Das palavras do amado
O casório se firmou
Sem precisar de delegado
Seu Cristóvão abençoou
Dona Rosa se encantou
E também Dona Lúcia, por seu lado.

E ficou assim acertado
Que pro dia da festança
Você foi convidado
Pra repartir a esperança
De um amor realizado
Que vai ficar eternizado
Na troca de aliança.

Assim, de tal maneira,
Em 13 de fevereiro, 2011 o ano
Na Igreja das Fronteiras
Vá logo se aprontando
Que a vida é ligeira
Pro casamento de Rosana Meira
E Antonio Aureliano.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Tercetos de Ano-novo

Retrospectiva Diário das Marés

2010, vejam que engraçado,
Nasceu dia desses
E já está terminado!

Teve muita novidade
Mas, na base, foi igual:
Bom pra uns; pra outros, mau.

Da seguinte forma:
Serra lutou
Mas Dilma comemora.

No Haiti, a terra
Afoita balançou.
E a esperança se aferrou!

Pelo Chile, as minas
Quase soterraram os manos.
Qué suerte, hein, hermanos!

Falando espanhol,
Citemos a Copa do Mundo:
Mediocre fútbol!

Alardeia a Espanha
O seu título
O jogo, porém, foi ridículo!

A guerra no Rio
Mata à galope
E ainda dá Ibope.

No cinema é diferente:
O Coronel Nascimento
Devia ser presidente.

O twitter teve seu ano.
Com poucas palavras
Vai dominando!

Já a Literatura, essa perdeu:
Foi-se Saramago
Fiquei eu!


Feliz 2011 a todos. Volto em fins de janeiro, sarado e bronzeado.