sábado, 12 de novembro de 2011

Terça-feira Ingrata

Adalberto sempre amou o Carnaval. Desde o dia em que, criança pequena pendurada nos ombros do pai, debruçou seus olhos numa colombina colorida, que dançava alegremente uma marchinha há muito esquecida. O fulgor das cores, o ritmo efusivo das danças, as máscaras: tudo se espalhava pelo tempo, como um sorriso plantado na eternidade.

E eram tão profundas as marcas que essas pequenas felicidades tinham-lhe causado que, mais tarde, já homem feito, não podia evitar esses assomos da infância: dizia à esposa que só brincaria na sexta, os amigos do trabalho estariam todos lá, pegava até mal ele não ir logo na abertura oficial. Ela, de veneta, esbravejava, louca de ciúmes:

— Dia desses, tu não vai me encontrar mais aqui quando voltar.

A sexta estendia-se, e ele, invariavelmente, voltava no domingo, com um presente barato, reclamando de um mal-estar que iniciara na sexta mesmo, não tinha podido nem aproveitar bem esses dias. Entrava em casa falando sem parar, olhando os detalhes da estante, a foto dos filhos parecia estar mais amarela, se aquela almofada era nova, nunca a tinha visto antes. A esposa, tomada de orgulho ferido e orgulhosa pelo seu retorno, não respondia de imediato. Primeiro, ignorava-o, até que ele, conhecendo bem os trilhos do reatamento conjugal, parava de falar. Depois, tomado o banho e feitas as devidas reparações no corpo, que eliminam o fedor de bebedeira, a barba e outros traços do desbunde, punham-se na sala a ver TV, onde, também seguindo um espécie de roteiro obrigatório, iniciava a discussão. E, apesar de insistir que dormira na casa do Alfonsinho e que só não tinha voltado pra casa porque acordou muito mal e só se recuperou na madrugada de hoje, Adalberto sempre passava a primeira noite de seu retorno no sofá, o que considerava já uma aceitação da parte dela, premissa de que as coisas logo voltariam ao normal.

Um ano desses, Adalberto exagerou. Saíra para a sua tradicional sexta de abertura carnavalesca e só voltou na terça. Vinte e nove chamadas não atendidas no seu celular. Primeiro, estranhou o portão trancado; depois, o silêncio na casa. As panelas na pia, pratos sujos de comida, a cama desfeita. Na esquina, o vendedor ambulante de CDs tocava uma música triste do Michael Jackson, da época dos Jackson Five. Sentou-se no sofá, com a roupa que chegara da rua. Por instantes, não soube o que fazer, até que lembrou de D. Lurdinha.

— D. Lurdinha, Linda tá aí?

— Tá não, meu filho. Ela não está em casa, não?

Não estava na casa da mãe dela, nem da mãe dele. Nem na casa dos amigos mais próximos. Ninguém a vira nem soubera notícias. Adalberto andou de um lado para o outro na casa, sem saber direito o que pensar. De repente, num arroubo de desdém, tomou o caminho do bar do Pedro, na esquina de sua casa. Pediu uma cerveja e tomou-a em pé, no balcão mesmo. Pediu outra. Perguntou se o último bloco já tinha passado. O homem do outro lado do balcão, filho de seu Pedro, respondeu que passava em instantes. Adalberto esperou. E, quando o bloco passou, pôs-se a dançar, com a euforia de todos os carnavais juntos.

Foi quando reconheceu a colombina do outro lado da rua. Colorida, jogada nos braços da felicidade. Aproximou-se. Ela, vendo que ele chegava perto, encarou-o firmemente. Ele tomou-a nos braços, beijando-lhe a boca sofregamente.

— Linda, vamos voltar para casa. O Carnaval é uma alegria passageira, ilusória.

Mas ela, fervorosa na medida da música, preferiu seguir o bloco, em meio às máscaras e às cores que tudo consomem. 

4 comentários:

Anônimo disse...

André.
Eita, e olha que mais tarde ainda vai rolar o recifão-antigo e na quarta o bacalhau do batata rsrsrs

Malthus de Queiroz disse...

hauhauhauh pense numa animação!

theo costa disse...

Muito bom cara, prendeu a atenção do começo ao fim, e olhe que tô lendo na Net, genial....

Malthus de Queiroz disse...

Esse Theo é meu amigo mesmo! hehehe