domingo, 18 de agosto de 2013

Minha garota atirou em mim


— Love u, costumava deixar-me envolver nos seus braços com essas palavras.

Lembro-me de como era macio o seu toque e como desejávamos sair daquele bairro, atingir o inatingível, fumar os cigarros proibidos, bebendo todas as noites nos bares escondidos da cidade.

O seu cabelo loiro era uma criança travessa em meus dedos, os olhos fixamente nos meus, tão carinhoso o seu gemido quando eu lhe enviava por trás, o vinho na mesa, e de repente: “bang-bang”, minha garota atirou em mim.

Eu atingi o chão, meu rosto de encontro ao piso da sala, "meu amor, love u", eu ouvia o barulho das águas escondidas nos seus olhos, "bang-bang", minha estrela, "with love", atirou em mim.

As coisas foram ficando muito pesadas, "ela me envolvia nos seus braços", a bagunça do quarto, a bebida sempre na mesa ao alcance das mãos, "bang-bang", eu, antes de atingir o chão, ainda disse que a amava. A carta estava em suas mãos, urgia matar, <i>My baby shot me down</i> era o tema que rolava na vitrola, e, na noite anterior, ela me disse que estava em depressão, sentia-se tão mal, gorda, chorou, queria trepar, acendeu um cigarro no meio da madrugada, conversou com os fantasmas de nossos sonhos. Um emprego melhor, talvez... Perguntou se eu queria sobremesa.

— Love u, baby, muito, apesar dos passos errados e do excesso de vinho e do meu corpo estar frio nesses dias. "É que eu ando meio triste ultimamente", <i>My baby shot me down</i>, "e queria trepar em excesso, beber em excesso, achar um palácio de sabedoria escondido nas tuas pernas", "bang-bang", "ou um outro mundo com mais fantasias", minha garota atirou "with love, baby".

— E eu te amo tanto, chorava ela hoje pela manhã, com tanta intensidade que me assusta abrir esta carta.

— Então não abra, eu disse.

— Eu não quero. É mais forte do que eu.

A igreja estava florida no dia da nossa união, os amigos todos lá, e agora o meu rosto colado no chão olha o seu doce sorriso de insanidade, "bang-bang", foi o que eu ouvi antes dela dizer "love u" e me envolver novamente em seus braços quentes. Eu tentei pegar sua mão, "meu amor", mas não consegui, tu já eras feita do que não é, as coisas mudaram tanto, baby.

Foram muitos dias nesse apartamento, os quadros já nem fazem tanta diferença, as contas já não formam pilhas ao lado do telefone, eu ainda a amo, meu rosto colado no chão, "baby", e ainda vi os seus passos em direção à porta, calmos, o pé da cadeira eu vi também, "with love, eternamente seu, Carlos".

Não consegui ver isso na carta, não conhecia nenhum Carlos até então. Ela me convidou pra sair no sábado, eu disse que preferia ficar em casa.

— Mas o que é isso?, ela perguntou quando chegou no meu quarto, as roupas pelo chão.

Disse que não era nada, era só uma aventura, e quando perguntei o que era aquela carta, ela me disse que não era nada, era só uma vingancinha besta.

E disse: "Eu te amo tanto, baby". Bang-bang, you shot me down, "nosso amor", bang-bang, I hit the ground, ainda pude ouvir o acorde melancólico que saía da garganta da cantora, bang-bang, that awful sound, "está escrito em nosso sangue", bang-bang, my baby shot me down.

Minha garota atirou em mim. "Me perdoa, meu amor."

E saiu, deixando a porta entreaberta.

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