terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Sal

Ronaldo e Valéria chegaram à praia de Boa Viagem por volta das quatro da tarde. A essa hora, quase não havia banhistas na areia, o que deixava o caminho livre para uma andada tranquila na companhia do mar. Tinham parado o carro em frente ao Edifício Portugal, um dos trechos preferidos da zona sul. Ela, blusa branca de renda, bermuda verde-jade, chapéu bege de renda fina; ele, bermuda pescador de sarja cinza, sandálias de borracha azul e camiseta azul-piscina.

A água salgada e seu balé de espumas tinham algo do movimento do infinito, passado e futuro igualmente longínquos, e ele preferia ver a tarde escurecer na praia ao tumulto dos blocos, multidão, bebedeira, suor, barulho. Desde criança, sua vida foi regida pelo ritmo manso das tardes solitárias. Cedo, o pai se ausentara, e o amor zeloso e excessivamente protetor da mãe o colocava sempre como um adorno muitíssimo delicado, desses cristais que não se quebram justamente pela falta de uso.

Acostumou-se à companhia da mãe para tudo: dedicada, ela o levava à escola, antes do trabalho, indo buscá-lo logo ao meio-dia para almoçarem juntos em algum restaurante próximo. Depois, deixava-o no reforço, para, logo em seguida, com a ajuda de uma vizinha, seguir para a natação às segundas e às quartas e ao futebol às terças e às quintas. Nas sextas, passava a tarde com a mãe, geralmente no escritório onde ela trabalhava.

Teve poucos amigos e menos amores ainda, de modo que dedicou a Valéria, seu então único grande afeto, um sentimento terno, compassivo, cheio de apegos aos menores detalhes. Acostumado com o tratamento respeitoso do escritório da mãe, vestia de formalidade os mais íntimos contatos: à mesa, quando levava sua amada para jantar em um tradicional restaurante da cidade, fazia questão de manter uma conduta inatacável, com talheres e guardanapos em seus devidos lugares.

E foi justamente por causa desse seu caráter grave que se achavam ali. Queria eternizar um momento, gravar os dias dali em diante com a memória de um amor maior do que ele próprio. Queria casar-se com Valéria, viver com ela para sempre, venerá-la nos momentos de mais ínfima existência, no banho, na cozinha, na sala, no sofá.

Fez o pedido nos moldes dos velhos filmes românticos: parou, encarou-a com firmeza, ajoelhou-se na areia, apresentou-lhe o anel de brilhante que surgia da pequena caixa aveludada, como uma flor que desabrochasse para colorir os dias de um jardim de inverno, e dela esperou que raiasse o mais belo sorriso, este que seria seu sol, seu conforto, seu desejo de vida. Ela irrompeu em lágrimas de felicidade: de sua vida, ela lhe disse, a mais doce parte estava ali, pedindo para fazer-lhe feliz. Foi o bastante para beijarem-se longa e apaixonadamente.

Separaram-se seis anos depois. Ronaldo, já um bem-sucedido diretor de uma empresa de tecnologia da informação, não resistiu aos acenos amorosos de Michelli, sua colega de trabalho. E Valéria mudou, como há de mudar o tempo os corpos.

Eu a conheci no Carnaval de 2005, dois meses depois da separação. Conversamos muito sobre tudo, bebemos, beijamo-nos. Ela me perguntou se eu já tivera um amor de carnaval. Disse que sim, uma vez. Ela brincou:

— Nenhum amor traz felicidade. É preciso ser feliz para ser feliz amando.

Dormimos juntos nessa noite. Alguns momentos são maiores que a própria vida, e eu ainda me lembro de seu doce cheiro de fruta vermelha.

Nenhum comentário: